Coronelismo,
segundo Victor Nunes Leal, foi um fenômeno da vida política no
interior do Brasil, envolto nas características da vida política
municipal. Seria o resultado da superposição de formas
desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e
social inadequada.
O
Coronel era o proprietário de terras, que liderava a política nos
municípios do interior do país. Com uma população eminentemente
rural, os votos que ele era capaz de controlar constituíam um fator
importante de barganha política, de modo que o coronelismo se
constitui em uma manifestação do poder privado dos senhores de
terra que coexiste com o regime político representativo.
A
estrutura agrária do país, onde a maior parte da terra estava na
mão de um número reduzido de pessoas é fundamental para entender o
fenômeno, pois é ela que fornece as bases de sustentação do poder
privado. Ao mesmo tempo o poder público alimentava esse poder, pela
necessidade do controle dos votos. Coronelismo significava um
compromisso entre o poder público e os chefes locais. Embora nem
sempre os chefes políticos fossem proprietários de terras, possuíam
sempre relações próximas com estes.
Havia
ainda uma série de fatores que ajudavam a sustentar e a reforçar o
poder coronelista: o custeamento das despesas eleitorais, a efetiva
realização de algumas melhorias para o município (estradas,
escolas, serviços de saúde), a prestação de favores pessoais,
como a distribuição de empregos. O coronel exercia diversas funções
do Estado, devido ao afastamento deste, em relação aos seus
dependentes. A deficiência de recursos municipais garantia sua
dependência do Estado. A fraqueza financeira dos municípios
contribuiu para sustentar o coronelismo. O compromisso coronelista
implicava no apoio aos candidatos do oficialismo, em troca de carta
branca nos assuntos relativos ao município.
(...)
a maior parte do eleitorado rural - que compõe a maioria do
eleitorado total - é completamente ignorante, e depende dos
fazendeiros, a cuja orientação política obedece. Em conseqüência
desse fato, reflexo político da nossa organização agrária, os
chefes dos partidos (inclusive o governo, que controla o partido
oficial) tinham de se entender com os fazendeiros, através dos
chefes políticos locais. E esse entendimento conduzia ao compromisso
de tipo “coronelista” entre os governos estaduais e os
municipais, à semelhança do compromisso político que se
estabeleceu entre a União e os Estados. Assim como nas relações
estaduais-federais imperava a “política dos governadores”,
também nas relações estaduais-municipais dominava o que por
analogia se pode chamar “política dos coronéis”. Através do
compromisso típico do sistema, os chefes locais prestigiavam a
política eleitoral dos governadores e deles recebiam o necessário
apoio para a montagem das oligarquias municipais. Para que aos
governadores, e não aos “coronéis”, tocasse a posição mais
vantajosa nessa troca de serviços, o meio técnico-jurídico mais
adequado foram justamente as limitações à autonomia das comunas.
Analisando
a vida municipal desde a colônia, onde a principal instância
política eram as câmaras, passando pelo império e chegando até a
republica, onde cada vez mais o poder político se centralizava,
deslizando das mão privadas para a administração pública, o autor
analisa o desenvolvimento das diversas atribuições administrativas
dos municípios, da eletividade para os cargos administrativos, das
fontes de receita, da organização judicial e das polícias e da
legislação eleitoral.
De
modo geral, a política e a administração municipal se encontravam
subordinada aos interesses estaduais e federais (como a questão do
recolhimento de impostos, que beneficiava os estados e a união, em
detrimento dos municípios). O compromisso coronelista era necessário
para garantir votos para o governo, de um lado, e a sustentação do
poder privado dos coronéis, de outro.
O
coronelismo representou a tentativa de conservação do poder privado
frente a sua decadência. O seu ponto central era a relação de
compromisso entre o poder privado decadente e o poder público
fortalecido.
A
superposição do regime representativo, em base ampla, a essa
inadequada estrutura social, havendo incorporado à cidadania ativa
um volumoso contingente de eleitores incapacitados para o consciente
desempenho de sua missão política, vinculou os detentores do poder
público, em larga medida, aos condutores daquele rebanho eleitoral.
A
falta de autonomia legal dos municípios era compensada pela extensa
autonomia extralegal, de modo que se perpetuava a dependência dos
municípios para com os estados. Com o fim da república velha o
poder já enfraquecido dos proprietários de terra se esvaziou ainda
mais, sem contudo desaparecer. A partir do Estado Novo foram
pensadas novas formas de gestão para os municípios, de modo a
conseguirem maior autonomia. Contudo, a manutenção das estruturas
agrárias nos mesmos moldes não permitiu uma efetiva superação
desse modelo. Com o crescimento da industrialização e o crescimento
da vida urbana em detrimento do campo, a ampliação da cidadania e
do dinamismo político reduziu muito o poder dos proprietários de
terras, mas os “coronéis” persistem ainda, não do mesmo modo,
como atores políticos relevantes no interior do país.
Bibliografia:
LEAL,
Victor Nunes. Coronelismo,
enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil.
São
Paulo, Alfa - Omega, 1975.