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Que tal história?

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segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Resenha “Coronelismo, enxada e voto”






Coronelismo, segundo Victor Nunes Leal, foi um fenômeno da vida política no interior do Brasil, envolto nas características da vida política municipal. Seria o resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada.
O Coronel era o proprietário de terras, que liderava a política nos municípios do interior do país. Com uma população eminentemente rural, os votos que ele era capaz de controlar constituíam um fator importante de barganha política, de modo que o coronelismo se constitui em uma manifestação do poder privado dos senhores de terra que coexiste com o regime político representativo.
A estrutura agrária do país, onde a maior parte da terra estava na mão de um número reduzido de pessoas é fundamental para entender o fenômeno, pois é ela que fornece as bases de sustentação do poder privado. Ao mesmo tempo o poder público alimentava esse poder, pela necessidade do controle dos votos. Coronelismo significava um compromisso entre o poder público e os chefes locais. Embora nem sempre os chefes políticos fossem proprietários de terras, possuíam sempre relações próximas com estes.
Havia ainda uma série de fatores que ajudavam a sustentar e a reforçar o poder coronelista: o custeamento das despesas eleitorais, a efetiva realização de algumas melhorias para o município (estradas, escolas, serviços de saúde), a prestação de favores pessoais, como a distribuição de empregos. O coronel exercia diversas funções do Estado, devido ao afastamento deste, em relação aos seus dependentes. A deficiência de recursos municipais garantia sua dependência do Estado. A fraqueza financeira dos municípios contribuiu para sustentar o coronelismo. O compromisso coronelista implicava no apoio aos candidatos do oficialismo, em troca de carta branca nos assuntos relativos ao município.


(...) a maior parte do eleitorado rural - que compõe a maioria do eleitorado total - é completamente ignorante, e depende dos fazendeiros, a cuja orientação política obedece. Em conseqüência desse fato, reflexo político da nossa organização agrária, os chefes dos partidos (inclusive o governo, que controla o partido oficial) tinham de se entender com os fazendeiros, através dos chefes políticos locais. E esse entendimento conduzia ao compromisso de tipo “coronelista” entre os governos estaduais e os municipais, à semelhança do compromisso político que se estabeleceu entre a União e os Estados. Assim como nas relações estaduais-federais imperava a “política dos governadores”, também nas relações estaduais-municipais dominava o que por analogia se pode chamar “política dos coronéis”. Através do compromisso típico do sistema, os chefes locais prestigiavam a política eleitoral dos governadores e deles recebiam o necessário apoio para a montagem das oligarquias municipais. Para que aos governadores, e não aos “coronéis”, tocasse a posição mais vantajosa nessa troca de serviços, o meio técnico-jurídico mais adequado foram justamente as limitações à autonomia das comunas.



Analisando a vida municipal desde a colônia, onde a principal instância política eram as câmaras, passando pelo império e chegando até a republica, onde cada vez mais o poder político se centralizava, deslizando das mão privadas para a administração pública, o autor analisa o desenvolvimento das diversas atribuições administrativas dos municípios, da eletividade para os cargos administrativos, das fontes de receita, da organização judicial e das polícias e da legislação eleitoral.
De modo geral, a política e a administração municipal se encontravam subordinada aos interesses estaduais e federais (como a questão do recolhimento de impostos, que beneficiava os estados e a união, em detrimento dos municípios). O compromisso coronelista era necessário para garantir votos para o governo, de um lado, e a sustentação do poder privado dos coronéis, de outro.
O coronelismo representou a tentativa de conservação do poder privado frente a sua decadência. O seu ponto central era a relação de compromisso entre o poder privado decadente e o poder público fortalecido.

A superposição do regime representativo, em base ampla, a essa inadequada estrutura social, havendo incorporado à cidadania ativa um volumoso contingente de eleitores incapacitados para o consciente desempenho de sua missão política, vinculou os detentores do poder público, em larga medida, aos condutores daquele rebanho eleitoral.


A falta de autonomia legal dos municípios era compensada pela extensa autonomia extralegal, de modo que se perpetuava a dependência dos municípios para com os estados. Com o fim da república velha o poder já enfraquecido dos proprietários de terra se esvaziou ainda mais, sem  contudo desaparecer. A partir do Estado Novo foram pensadas novas formas de gestão para os municípios, de modo a conseguirem maior autonomia. Contudo, a manutenção das estruturas agrárias nos mesmos moldes não permitiu uma efetiva superação desse modelo. Com o crescimento da industrialização e o crescimento da vida urbana em detrimento do campo, a ampliação da cidadania e do dinamismo político reduziu muito o poder dos proprietários de terras, mas os “coronéis” persistem ainda, não do mesmo modo, como atores políticos relevantes no interior do país.



Bibliografia:
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo, Alfa - Omega, 1975.

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